Cristina Esteche

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O que há por trás do ‘Coração de Estudante’

Comecei o dia ouvindo música. Entre o trajeto da minha morada, lá no Jordão, e a Cidade dos Lagos, uma canção me remeteu a um passado recente. Coincidentemente, ao ler notícias do dia, uma delas me chamou a atenção. Aliás, o ex-deputado Gustavo Fruet falava sobre os 40 anos do primeiro comício pelo movimento ‘Diretas Já’.

Digo que se trata de coincidência, porque a música que me referi no começo deste texto é ‘Coração de Estudante’, na voz de Milton Nascimento. Ou seja, o hino desse movimento que mobilizou a sociedade civil. A música composta pelo maestro Wagner Tiso, sob encomenda, se tornou a trilha do documentário ‘Jango’, o presidente do País deposto pelo golpe militar. Já a letra escrita por Milton Nascimento retrata a agonia de um tempo que não dá pra esquecer. E muito menos, reviver.

Se o documentário ‘Jango’ traça a trajetória política de João Goulart, a letra de Milton Nascimento traz a tristeza, a indignação pela morte do estudante Edson Luiz, assassinado por militares no restaurante Alcabouço, no Rio de Janeiro, em 1968. O Brasil vivia a ditadura militar. O golpe de Jango e a morte de Edson Luiz são pontas que se juntam e que têm novas amarras.

Assassinatos, torturas, exílios, perseguições passaram a pautar o cotidiano, manchando com o vermelho do sangue e o preto do luto, o verde e amarelo da bandeira nacional. E é nesse contexto, ameaçado pelo fio das baionetas, que nasceu o movimento político ‘Diretas Já’. Isso ocorreu em 1980. Portanto, após 16 anos de dor dilacerante, o Brasil precisava sair dos 16 anos da ditadura militar.

O general João Figueiredo, então presidente do País, criou um ambiente propício para a reivindicação de eleições diretas. Artistas, intelectuais, jornalistas e outras pessoas amplificaram a voz em comícios, passeatas e outras manifestações impulsionadas pela proposta de emenda constitucional apresentada pelo então deputado federal Dante de Oliveira em 1984. Mas, apesar da pressão popular, o Congresso não aprovou.

Apesar dessa frustração, entanto, o movimento contribuiu para a eleição indireta de Tancredo Neves em 1985. Era o fim do regime militar. Tancredo, porém, não chegou a assumir. O país passou a viver a agonia da doença e da morte do presidente eleito. E a trilha dessa saga era justamente a música ‘Coração de Estudante’.

CONHECER A HISTÓRIA

É claro que tratar das ‘Diretas Já’ requer uma imersão profunda no tema. Se faz necessário absorver a história para poder aprender. E para isso é fundamental considerar os múltiplos aspectos desse movimento. Isso passa pelos antecedentes, pelas dinâmicas sociais e políticas, pelos desdobramentos e pelo impacto a longo prazo na história política do Brasil. O país acordava para a democracia. Veio então a Constituição de 1988, influenciada pela mobilização das ‘Diretas Já’, consolidando a redemocratização e estabelecendo as bases para o sistema político brasileiro.

Mas sabemos que o passar do tempo nos traz momentos diferentes. Cada época com reivindicações diferentes, com recuos, avanços e até tons retrógrados. Não podemos esquecer que passamos pela anistia – tema que voltou à tona nos dias de hoje. Tivemos eleições diretas, constituinte, eleição presidencial, impeachment. O poder econômico ditou abusos eleitorais. Chegaram as urnas eletrônicas cuja eficiência chega a ser questionada quando um político perde.

OUTROS ANSEIOS

Mas hoje nossas demandas também são outras. Convivemos com promessas não cumpridas, com desigualdade, denúncias de corrupção; defesa de intervenção, violência, cassações, fake news. Os extremismos surgiram e dividiram a Nação. Aquele que tem visão diferente é identificado e marcado por ambos os lados. O Estado Democrático de Direito adoeceu, mas não sucumbiu. Por tudo isso e muito mais, sabemos que apesar do avanço democrático, o Brasil ainda enfrenta desafios institucionais e políticos.

E assim como diz a canção ainda há um sentimento de agonia, de prisão, de algo que precisa ser liberado. É preciso dar lugar à esperança, às energias boas, acreditando sempre que o futuro vai ser diferente.

Bom, a música continua tocando e chego ao meu destino. Enquanto isso, Milton canta:

“Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, planta e sentimento
Folhas, coração
Juventude e fé”.

EM TEMPO –  Foi num comício das ‘Diretas Já’ que conheci o meu companheiro Orlando, a quem chamo de ‘Negro meu’. São 40 anos de história, de amor, de companheirismo, de cumplicidade.

“Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor”.

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Cristina Esteche

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